sexta-feira, 1 de julho de 2011

cap.4 - part 4

   Queria ter acordado mais cedo, sábado é sempre um dia bom para se aproveitar, mas a dor de cabeça e moleza que habitavam meu corpo realmente não eram confortáveis. Qualquer barulho era incomodo e felizmente a casa estava quieta. Os namorados também aproveitaram a noite de sexta sozinhos e não havia barulho de ninguém na casa.
  Olhei no relógio e já passava do meio-dia fiquei mais um pouco na cama tentando me lembrar como tinha chego ali e porque tinha um pé do outro lado com as unhas devidamente feitas, reconheci ele na hora, não era pra menos, Cris e Becca são negras a única pessoa que poderia ter aquele pé incrivelmente branco era Lola. Dei um beliscão no peito do pé dela, mas isso não fez diferença nenhuma, Lola dormia estranhamente bem, dei mais um beliscão e nada a única solução foi tirar a coberta de cima dela, hora infeliz essa.
- Já falei que não Paulo – foi realmente alto o grito que ela deu e vi duas cabeças levantando do chão da mesma direção.
- Não grita Lola, quer que nossas cabeças explodam? – Cris reclamou e voltou a deitar.
- Só queria te acordar, flor do dia, mas vejo que não era comigo que estava dormindo.
- E tem melhor jeito de ser acordada em uma tarde de sábado? – Becca estava se arrumando pra levantar.
  Todas nós estávamos uma bagunça e não entendi porque meu quarto foi o albergue da noite. Sempre fazíamos isso no quarto de Becca ela tinha duas camas de casal, útil para brigas com o namorado.
- Alguém me explica porque minha cabeça parece que vai explodir – fiquei sentada na cama tentando achar meus óculos.
   Não obtive respostas, Lola e Cris voltaram a dormir e Becca já tinha levantado e estava procurando algo pra colocar nos pés.
- Tenho certeza que vim com meu chinelo pra cá.
   Mesmo sem achar meus óculos levantei e fui até o banheiro, minha bexiga estava quase explodindo parecia que tinha tomado uma caixa de água sem parar, mas minha boca estava seca e com um gosto amargo horrível. Nem queria pensar no meu estado físico.
   À tarde de sábado estava apenas começando e eu nem queria ver o estado do resto da casa, homens sozinhos sujeira em dobro, agora, imaginar três homens sozinhos em uma noite de sexta, não era animador sair do quarto. Tive que ser forte.
- Como você acha que está lá fora? – Becca achou meus óculos e veio me entregar no banheiro.
- Um furacão F5 é menos devastador – dei um sorriso agradecendo aos óculos.
- Nem quero me olhar no espelho – ela deu uma olhada muito sinistra pra mim.
- É minha amiga, temos que encarar a realidade um dia e estamos apenas começando nossas vidas, imagina isso com cinqüenta! – sai do banheiro e fui direto enfrentar a realidade da nossa casa em devastação.
- Eu não quero nem ver o que está acontecendo aí desse lado – uma voz abafada veio da cama – No mínimo tem sofá brincando de espada com a televisão.
- Levanta e vem ajudar – Cris também tinha levantado e estava arrumando seu cabelo.
- Duas pessoas não dão conta?
- To com medo de ser atacada quando abrir a porta, eles podem estar nos ouvindo – coloquei o ouvido perto da porta pra ver se tinha algum barulho.
- Seja mais corajosa, depois de ter surtado ontem um simples vídeo game assassino não vai te fazer mal – Becca estava atrás de mim tentando abrir a porta.
- Não vou sair é sério, perdi a coragem depois dessa do vídeo game – voltei e sentei na cama.
   Lola se descobriu e ficou olhando pra mim como se eu fosse uma aberração.
- Você está de brincadeira né, Lara?! Acha que lá fora está pior que aqui dentro?
   Realmente meu quarto não estava imaculado, mas tinha certeza que lá fora as coisas tinham vida já. Lola se cobriu de novo indignada com a minha atitude, mas era apenas um teatro pra ver se ela também levantava para nos ajudar.
   Becca estava tentando abrir a porta sem sucesso.
- Porque sua chave não está na fechadura, Lara?
- Eu não acredito que eles fizeram isso – Cris veio revoltada até a porta verificar se estava trancada mesmo.
- Agora eu me revoltei – Lola levantou possuída e começou a bater na porta – Vocês estão me ouvindo que eu sei, se não abrirem essa porta vocês podem dar adeus ao jogo que eu encomendei.
   Do outro lado era silencio absoluto, começamos a ficar realmente assustadas, eles não faziam esse tipo de brincadeira. Mas como a noite estava vaga em nossas mentes a única reação era bater na porta pra ver se alguém do outro lado respondia.
   Peguei o telefone do lado da minha cama e comecei a ligar no celular deles, ouvíamos os celulares tocando e nada de ninguém atender.
- Vou estourar pessoalmente a cara de quem abrir a porta – discando de novo o primeiro numero.
- Absurdo isso – Cris sentou do meu lado na cama.
- Eu quero meu remédio pra dor cabeça – Becca andava de um lado pro outro.
- Acho que ouvi alguém – Lola estava com o ouvido colado na porta.
- Porque tem celular? – mais uma ligação que caia na caixa postal, o clima dentro do quarto era tenso – Vou ligar mais uma vez se ninguém atender...
- Se estamos em casa porque você está me ligando? – Marcos, namorado de Cris, atendeu com uma voz embargada - Não seria mais fácil me acordar pessoalmente?
- Você não ia querer que eu te acordasse hoje – as três olharam pra mim, a raiva não me deixava falar baixo.
- Porque gritar desse jeito parece que está desesperada!
- Desesperado vai ficar você se não vier abrir essa porta – Cris pegou o telefone da minha mão – não quero desculpas Marcos, venha abrir a porta agora, vocês inventam as suas brincadeiras e nós é que temos que pagar o pato – desligou o telefone na cara dele.
   Segundos depois ouvimos vozes e barulho pela casa, deduzimos que Marcos havia acordado os outros dois e eles estavam procurando a chave. De repente um barulho de louça quebrando, pulei aflita pra perto da porta e gritei impaciente.
- Se isso que quebrou foram as minhas taças eu juro que degolo um por um – dei um murro na porta.
   Eles falaram alguma coisa inaudível e pude ouvir minhas lindas taças sendo varridas. Me deu vontade de chorar, mas a raiva era maior queria aparecer destruidora na frente deles. O tumulto do outro lado passou e os passos em direção a porta aumentaram. A chave foi colocada na fechadura e quando finalmente estava aberta nós quatro saímos que nem gatos pulando pra fora da reclusão.

cap.4 - parte 3

- A casa é de quem, Michel?
- Sua, mas ele é o invasor aqui.
- Pelo jeito não sou o único.
   O que mais me espantava era a cara de pau dos dois, Victor não movia um músculo e Michel se fez de rogado e sentou no sofá. Fechei a porta com a maior tranqüilidade que meus nervos me permitiam, voltei pra cozinha e peguei mais um cigarro. Fiquei de pé do lado da geladeira com vontade de abri-la e começar a atacar qualquer coisa ao meu alcance na direção da cabeça dos dois. O clima ficou tenso, as horas passaram e eu nem percebi, já era tarde e no outro dia a vida de trabalhadora voltaria ao calendário.
- Você – me dirigi ao Victor – conclua seus pensamentos e rala e você – olhei pra cara deslavada de Michel – fala logo o que quer e rala também.
- Eu quero voltar com você!
- Eu quero voltar com você!
   Os dois falaram ao mesmo tempo como se tivessem combinado. Aquela frase e aquela cena me deram ataque de risos.
- Tá, agora estamos num joguinho, quem fala melhor e primeiro ganha o prêmio?
- Nunca brinquei com você – Michel teve a infeliz idéia de falar.
- Eu só quero ser feliz de novo – como se ele fosse a pessoa menos sortuda do mundo.
- E eu sou o bozo. Por favor, saiam!
   O controle sobre minhas pernas era quase uma catástrofe, minha cabeça rodava como se tivesse um gira-gira dentro. Eles finalmente entenderam meu recado e começaram a se mexer. Um mais lento que o outro pareciam esperar alguma súbita vontade da minha parte de pedir para um dos dois ficarem.
- Vou voltar!
- Não quero que volte.
- Mas eu preciso falar com você.
- Mais um querendo a minha ajuda na mesma noite é demais pra mim – quase chorei de tanto desespero.
- Você não vai se arrepender.
- Vou, eu sei que vou.
   Continuei parada no mesmo lugar enquanto os dois saiam, Victor escreveu alguma coisa no bloco de notas perto do telefone e saiu logo atrás de Michel. Nem olhei o bilhete fui direto para o meu quarto, finalmente a noite tinha acabado e minha cama seria minha única e calada companheira.

cap.4 - parte 2

- Eu preciso te falar o que eu passei todo esse tempo longe de você.
- Não quero saber.
- Mas eu quero te contar, mesmo que você não queira ouvir – ele ainda estava sentado imóvel.
- Já ouviu aquele ditado, quando um não quer dois não brigam – peguei um cigarro, aquilo era terrorismo demais pra mim.
- Não quero ditos populares eu só quero que você me escute.
- E você acha mesmo que tem o direito de ser ouvido? – comecei a olhar pra ele, ver como sua aparência estava frágil, olheiras e um cheiro de nicotina com algo doce, não conseguia distinguir – Você está chapado – peguei no rosto dele – olha pra mim – ele me olhava como se fosse chorar – chorou também – me assustei – realmente você está chapado – sai de perto dele e fui pegar alguma coisa pra beber.
   O rosto dele era ilegível, tinha algo a mais acontecendo. Tinha alguma coisa gritando dentro dele e aquilo começou a me perturbar. Peguei uma bebida pra nós dois e sentei de novo na sua frente e ele começou a falar depois do primeiro gole.
- Trai a Marta durante esse tempo todo.
- Nossa que novidade, uma vez traidor sempre traidor.
- Procurei nela algo que não consegui encontrar e comecei a sair com outras mulheres pra saber o que tinha de errado – ele não levantava a cabeça apenas bebia e falava.
- Sempre tem uma desculpa esfarrapada.
  Ouvia com toda a gana de saber o quanto ele estava sofrendo, era reconfortante saber que não fui só eu que me afundei num mar de indecisões.
- Foi ficando incontrolável, todo dia procurava uma mulher diferente. Gastei mais do que devia em viagens para cidades diferentes e nunca encontrava o que estava procurando. Até que um dia encontrei uma Lara, super parecida com você, até óculos ela usava – ele riu entre os dentes – era ridículo, fiquei obcecado queria vê-la todo dia, um frenesi tomou conta de mim e aprendi bastante com ela.
- Agora ele quer me fazer acreditar que estava me procurando em todas as mulheres, inclusive na Marta. Me poupe Victor.
- Fiquei cego – ele pareceu nem ouvir o que disse – montei casa com ela, estávamos planejando em adotar uma criança. Pensei até por um momento em largar a Marta e viver pra ela, achei que tinha encontrado meu verdadeiro amor.
- Mais um?
- Ela era surpreendente – ele levantou a cabeça e me encarou aquele olhar me fez acreditar que havia um homem sofrendo de verdade ali – me fazia rir, me acolhia quando precisava, me deixava enrolar os cabelos dela, me fazia homem de verdade...
   Ele estava descrevendo a nossa relação, como ele pode? Fazer tudo do mesmo jeito que a gente fez, mas deixei ele terminar.
“...Só que tudo o que a gente ama um dia faz a gente cair na real de que a vida não é só um mar de rosas e foi quando ela me contou que estava grávida e doente. Fiquei revoltado, pois não posso ter filhos, então pensei que ela tinha me traído. Tivemos a primeira e pior briga do nosso relacionamento...”
- Você também a traia, chumbo trocado não dói – não queria ter dito isso, mas o rancor dentro de mim era maior.
“...E eu tinha me esquecido que estava fazendo tratamento, pois a Marta está doida pra ter filhos também. No meio da briga ela pegou os papeis dos exames que eu tinha feito e os jogou na minha cara me fazendo lembrar que era minha a criança. Me senti o pior homem do mundo colocando em foco tudo o que estava acontecendo. Meu casamento falido, sustentado por algo que nem sei dizer, meu relacionamento com ela e a doença...”
   Me deu vontade de xingá-lo, mas aquilo realmente estava me interessando.
“...Ela disse que quando os médicos descobriram que ela estava grávida suspeitavam da doença, mas queriam confirmar, pois se confirmassem a gravidez não poderia seguir...”
   Aquilo era demais a amante grávida e doente, esse estava pagando todos os pecados.
- E qual era a doença?
- Leucemia – os olhos começaram a marejar e as lágrimas foram inevitáveis.
   Eu vi esse homem chorando apenas uma vez na minha vida e agora depois de tudo o que ele me fez ele vem aqui tentar partir meu coração com essa história toda que parece que saiu de um filme. Me segurei pra não mandar ele embora, aquela cena estava me dando nojo e tinha uma parte de mim que queria saber o resto do drama. Deixei ele chorando por algum tempo e fiquei formulando uma pergunta, todas que vinham à mente me pareciam idiotas demais para o momento.
- Sua mãe sabe disso?
   Ele me encarava indignado como se eu soubesse de algo mais.
- Mas o que ela falou pra você fazer – o encarava como se fosse um julgamento – ela com certeza deve ter opiniões formadas a respeito disso, mas não te disse. Será que ela prefere falar diretamente para a pessoa que está atrapalhando a vida do filho dela?
- Eu sei de tudo o que ela te fez, agora não é hora para julgá-la.
- É na verdade não mesmo, nem sei porque estou tão interessada nisso tudo.
- Porque eu vim te pedir ajuda, talvez?
- Porque eu sou uma completa idiota você quis dizer.
- Idiota sou eu de ter me metido em confusões que nem consigo resolver sozinho.
- Isso é verdade.
   Minha raiva estava a ponto de explodir, mas o mais importante ele não tinha me contado ainda.
- Faz quanto tempo que você descobriu isso?
- Oito meses.
- E como está a Lara? – foi estranho falar meu nome me referindo a outra pessoa.
- Ela não quis interromper a gravidez...
- Completamente louca!
- A doença estava avançada já e os médicos não tinham mais o que fazer, ela não queria abortar e não podia fazer o tratamento – ele começou a chorar de novo e nem precisou terminar a frase.
   Já sabia qual era o final dessa frase o momento pedia um abraço, mas me limitei a uma mão em cima da dele que o fez segurar com toda a força que ele tinha e isso não era pouco. Imagina um homem com quase dois metros de altura e forte segurando sua mão com toda a força e desespero que ele tinha, quase quebrou meus ossos.
- Isso não foi uma boa idéia – tirei minha mão da dele com muito esforço e dor.
- Desculpa, não queria te machucar.
   Eu sabia que ele ia pagar pelos pecados dele, mas não dessa forma. Ele não tirava os olhos de mim como se eu fosse alguma pessoa extraordinária que lesse mentes. Aquele olhar me assustava e não queria saber o que me esperava. Pra não deixar de ficar ruim a campainha tocou, mas nem precisei me dar ao trabalho de abrir.
- Coloquei a mão na maçaneta e vi que estava aberta e... – Michel entrou como se fosse parte da casa.
- O que ele está fazendo aqui?
- Eu é que deveria fazer essa pergunta.
- Sabia que você era gentil, mas deixar ele entrar na sua casa é um pouco demais não acha?
   Os dois trocaram faíscas como se fossem cachorros disputando terreno e eu ali no meio daquela briga verbal.
- Não devo satisfação da minha vida pra nenhum dos dois e acho propicio me deixarem sozinha, que tal? – levantei e fui até a porta que ainda se encontrava aberta.
- Eu não vou embora, acabei de chegar.

cap.4 - parte 1

Voltei pra casa com um aperto no peito vendo que aquela situação ia ser complicada durante um tempo, mas ela ia se acostumar a deixar a filha mais solta. Cris estava na cozinha guardando as compras e começou a falar como se tivesse me visto entrar.
- Comprei Kani e batata, você não disse que estava com vontade de comer salada de Kani? – Cris estava mecanicamente guardando as coisas.
- Nossa sentiu meu cheiro? – fechei a porta atrás de mim.
- Não, é que você seria a única pessoa a chegar agora.
- Ela virou vidente agora – dei uma risada abafada.
- Guilherme me falou que você estava na casa da Ana e eu sabia que Lola e Becca não estavam em casa e provavelmente não voltariam tão cedo, pois vi Becca saindo e Lola todos nós sabemos aonde ela está.
- Pra quem acabou de chegar você está bem informada – sentei em uma das cadeiras do balcão da cozinha – Como sabe da Lola?
- Ela me ligou.
- Quando? – fiquei com uma pequena ponta de raiva dentro de mim.
- Hoje – fechando a geladeira – ela percebeu que não estávamos em casa e deu graças por não termos presenciado a ultima cena do senhor escândalo.
- A sim e aonde Becca foi?
- Na farmácia – gritou Guilherme do quarto.
- Eita, que tem gente com o ouvido bom demais aqui – olhei pra Cris e dei risada.
   Passamos o resto da tarde conversando e beliscando algumas guloseimas que Cris havia comprado. Becca voltou da farmácia e entrou na conversa, assim como fizeram Gui e Marcos. O assunto não poderia ser outro, a briga do casal. Contamos o que tinha acontecido quando chegamos em casa e os meninos descobriram do amor platônico de Luidge por Lola. Era estranho ver como homem não percebia certos gestos um do outro. Mesmo Luidge sendo discreto como sempre foi, descobrimos fácil o que ele sentia por Lola quando ele mandou o primeiro mimo. Um porta retrato digital com uma rosa que se desfazia e mudava de cor com uma caixa de bombons em formato de teclas de computador escrito “ De quem te admira muito”. Acho que depois que ele se apaixonou por Lola trabalhava secretamente em projetos de presentes criativos e também elaborava as formas mais surpreendentes de entregá-los. Um dia fomos ao shopping e um homem todo enfeitado com balões e corações vermelhos e rosa nos parou na escada rolante e começou a dançar e cantar uma musica romântica e entregou mil mini caixas porta níquel com os dizeres “mil ainda é pouco pelo tamanho do que sinto por você”. Esse dia tive que sentar pra me controlar das gargalhadas que aquela cena me proporcionou.
   A noite então chegou, ficamos sentados ainda conversando sobre a viagem que Cris e Marcos fizeram depois e jogando conversa fora. Aquele horário era irritante estava quase dando nove horas da noite e ele sempre voltava àquela hora pra casa, não importando o que havia acontecido. Ouvimos o barulho do elevador e ficamos apreensivos não sabíamos como ele ia voltar. Lola também estava pra chegar ela tinha que voltar ao serviço na manha seguinte como todos e pelo visto não tinha levado roupa pra ir direto da casa de Gustavo. Mas nosso susto foi menor, o deles porque o meu pesadelo estava começando. A campainha tocou, Cris foi atender e na hora que ouvi aquele nome meu coração quase parou.
- Oi Victor.
- A Lara está? – com a voz mais normal do mundo Victor, meu ex, resolveu aparecer.
- Estou e queria muito saber o que você está fazendo aqui – sentada na mesma posição, olhando pro copo que estava na minha frente mal conseguia respirar, nem sei como aquelas palavras saíram.
- Acho melhor a gente deixar os dois a sós – sugeriu Becca.
   Não conseguia me mover, protestar contra essa idéia maluca de Becca seria menos provável ainda. Cris deixou Victor entrar ele veio até o balcão da cozinha e se sentou na minha frente. Meu olhar não saia do copo. Ele parecia mais tenso do que eu e nessa loucura toda resolveu pegar nas minhas mãos me fazendo assim olhar pra ele. Queria muito ter visto a careta que fiz quando o encarei, pois a recepção não foi boa.
- Ninguém me passava o numero da sua casa – me olhando como se eu fosse quebrar – ligava no seu celular e nada de você me atender. Porque está fazendo isso comigo?
   Olhando fundo nos olhos dele apenas movimentei minha cabeça com um sinal negativo.
- Eu queria saber como você está – era como uma suplica.
- Agora que já viu, pode ir embora – finalmente minha voz saiu.
- Não vim até aqui à toa.
- Claro que veio.
- Preciso te contar algumas coisas.
- Você me trai, me faz sofrer até a hora que eu cansei de chorar – levantei da cadeira desvencilhando as mãos dele das minhas – vou embora com apenas um intuito, nunca mais te ver, mas não, foi difícil. Nos encontramos por um longo e doloroso ano. Você me maltrata na frente da única pessoa que não deveria. Conversa comigo pela ultima vez como se eu fosse a culpada de todos os seus problemas. Me tira por completo da sua vida e agora depois de três anos vem me procurar e acha que todo mundo que sabe pelo o que passei vai deixar fácil a pista. Engano seu.

Capitulo 4 - Tentando

   Foi estranho o término daquela briga as coisas dele ficaram jogadas na porta de Lola, ela ficou trancada no quarto por horas. Geralmente ele voltava mais cedo do que naquele dia. Ela também não apareceu pra tomar café da manha no outro dia e nem sinal dele. Começamos a ficar preocupados com os dois, pois eles já tiveram brigas piores do que essa e não resultou no sumiço do casal. Por volta do meio-dia resolvi bater no quarto pra saber se ela ainda estava viva, mas a porta do seu quarto estava entre aberta e entrava luz pela janela, sinal de que ela ou tinha esquecido de fechar a janela ou tinha saído, que hora eu não sei, pois ninguém viu ou ouviu nada vindo de lá. Entrei no quarto assustada pensando mil coisas e não encontrei ninguém, as malas dela estavam abertas parecia que ela tinha tirado umas peças de roupa e a bolsa que ela estava usando também não estava em parte alguma. Liguei no celular dela e fiquei aliviada quando ouvi sua voz sonolenta.
- Estou na casa do Gustavo não se preocupe.
   Foi a única coisa que ela disse e desligou como se eu fosse uma estranha a incomodando. Uma preocupação a menos, Gustavo era nosso amigo do tempo de escola, sabia que ela estava em segurança, geralmente era pra ele que ela pedia colo quando ocorriam as loucuras de Paulo. Uma pessoa mais sensível e fora do contexto era melhor pra chorar as mágoas.
   Voltei pro meu mundinho e comecei a me organizar pra voltar ao trabalho no dia seguinte, não passara da hora do almoço, mas não gostava de deixar as coisas pra ultima hora, ainda mais quando voltava de viagem. Malas pra desfazer, correspondência pra todo lado e ter que abastecer a dispensa isso realmente tomava quase todo o curto tempo da parte da tarde e foi ai que minha ficha caiu. Porque a correspondência estava toda lá embaixo? Porque não vi vestígios de Cris e Marcos pela casa? Comecei a pensar nisso depois de algumas horas sentindo falta de alguém me apressando para ir ao supermercado comprar doce. Eles dois também sumiam quando brigavam só que isso era previsível e Cris sempre deixava um bilhete ou algum tipo de mensagem avisando aonde estava. Estava tão cansada de brigas de casal que fiquei quieta no meu canto tentando não pensar muito em ter que ouvir mais um discurso sobre relacionamento, mas minha concentração foi embora quando comecei a pensar no que teria acontecido com os dois para eles não voltarem pra casa desde o ultimo dia que nos vimos. Fui pegar meu celular de novo quando ele tocou.
- Lara! – era Cris com uma voz muito animada e aliviada – Liguei pra saber se vocês estão bem meu amor.
- Sua grande filha da mãe – me deu vontade de gritar no ouvido dela – porque vocês não vieram pra casa? Agora que me toquei que vocês nem passaram aqui pra ver se a casa estava em pé.
- Eu também te amo Lara – Cris deu risada – conseguimos estender nossas férias, mal chegamos na cidade e Marcos recebeu um telefonema do nosso chefe avisando que poderíamos ficar mais tempo de folga – e deu outra risada.
- Avisar que está viva e se divertindo não pode?
   Ela disse que já estava voltando pra casa, estava no supermercado comprando algumas coisas, pois sabia que não tinha nada pra comer. Nem falei nada sobre a grande confusão era melhor contar ao vivo.
   Como a parte do supermercado estava resolvida fui falar com minha vizinha, tinha comprado umas coisas pra ela e sua filha de oito anos. Elas moravam sozinhas, uma xerox da outra as duas Ana Maria. Era bonito de ver o quanto as duas se pareciam e a mãe dela fez questão de colocar o mesmo nome na filha, pois era herança de família, sua bisavó chamava Ana Maria e assim foi passando de geração em geração. A pequena falava que também colocaria o mesmo nome se tivesse uma menina. Ela queria seguir a tradição da família. Me divertia bastante com as duas.
   Cheguei perto da porta delas e ouvi a pequena chorando apertei a campainha e desejei ser apenas um choro qualquer. Quando Ana abriu a porta estava chorando também fiquei assustada e sem fazer perguntas entrei. Começamos a conversar sobre o que tinha acontecido e engoli á seco algumas coisas que tinha vontade de lhe falar. Ela super protegia a menina, era sufocante e como Maria, assim que nós a chamávamos para não ter confusão com a mãe, era uma menina muito inteligente ela sabia contornar a situação.
- Ela disse que foi você quem quebrou o despertador, achei estranho, pois ele apareceu quebrado depois que você foi viajar – Ana estava mais calma.
- Mas fui eu mesma Ana – dei uma olhada de canto para Maria que fingia não ouvir a conversa – acho que ela escondeu de você com medo da reação que está tendo agora.
- Mentindo pra mim, Lara – Ana levantou e foi até a geladeira pegar água – ela sabe que mentira não leva ninguém a lugar algum.
- Você já prestou atenção em como reage com coisas pequenas? – nem eu sei de onde saiu isso.
- Como assim reajo, Lara – ela ficou parada encostada na pia me olhando o clima começou a ficar tenso.
- Não gosto de me intrometer na vida de ninguém, mas você acha que sua filha tem que viver do jeito que você quer. Você é mãe ela te deve respeito, mas ela tem as vontades dela. Já parou pra olhar que Maria nunca dá um sorriso verdadeiro quando você está por perto?
- Mas eu só quero que ela viva bem – a raiva transparecia em seu rosto.
- Claro que quer, toda mãe quer – minha voz começou a ficar alterada – mas olha bem nos olhos dela, ela se sente acuada. Acha que não pode fazer nada que vá deixar em risco um dedo cortado ou alguma coisa quebrada. Não gosto de falar essas coisas pra você Ana, mas é a verdade infelizmente.
   Ana ficou quieta por algum tempo olhando Maria brincar com os presentes da viagem, parecia que ela tinha vontade de sair correndo e não deixar que a menina abrisse embrulho algum. Essa super proteção era uma doença já, ficava com medo as vezes de deixá-las muito tempo sem minha companhia. Comecei a pensar em vários casos de mães que super-protegem os filhos e quando crescem acabam de revoltando sem causa maior. Não era fácil olhar para Ana depois do que falei, mas tinha mais coisas a dizer.
- Eu acho que você deveria dar espaço a ela – peguei um pouco de água também – como criança. Coloca muita responsabilidade em cima dela.
- É difícil cuidar de uma pessoa, Lara.
- Eu sei que não é fácil, não sou mãe, mas sempre vi muitas mães sozinhas cuidando dos seus filhos sem essa super-proteção – sentei olhando pra sala – você não sente algo diferente quando está sozinha com ela?
   Ana não me respondeu.
   Ela sabia o que estava fazendo de errado e isso vinha da criação. O pai de Ana sempre foi muito autoritário, major do exercito morreu exercendo a profissão. Ela nunca reclamou dele, mas sentia um certo amargo em sua voz quando contava sua infância.